quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Agridoce

Ela buscava alguma coisa
e que ao encontrar não entendeu
jogou fora, descartou.
Entre esses, flores e carnavais
romances e outros quais
nunca a saciaram.
Todos mornos, nunca ele.
Quer se render como criança
sem saber,
confiar sem entender ou
compreender e escolher sem decidir.
Perguntar pra vida:
"quantas vezes mesmo eu morri?"
Se reinventar,
deixar-se renovar
em perfeitas metamorfoses
dar vida a novas vozes.
Enfim, sem receio, poder ser.

- jady caffaro

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

novos velhos tempos

Me precipito ao precipício
as novas rotas
aos novos ares
poluídos e viciantes.
Eu me encontro
me destruo em ti
te destruo em mim.
Carrego o fardo
de saber quem é você
por trás de sarcasmo
por trás de palavras.
Risque as palavras
mais nada precisa ser dito.
Deixe que o espontâneo tome conta
de sorrisos
os meus forjados
os seus escondidos
Se ao menos eu fosse outra
E se eu fosse eu?
Com defeitos, sem medo
fumando, bebendo
desistindo
insistindo
caminhando para novos tempos
com medo
e sozinha
arriscando.
É melhor dormir,
abraçar o escuro
e esperar até que você venha
e apague o cigarro da minha mão.
Pode doer,
ao arrancar os cacos
pés sangrando
andando
cansando
arrependendo
por ter colhido as flores erradas.
Cuida de mim
das minhas escolhas
dos meus erros.
Espero palavras agora
agora sim
mas o silêncio sendo dito
palavras já riscadas
páginas rasgadas
nada resolvido
Tudo muda mas permanece igual
então nada muda?
eu mudei e você não viu,
só você não viu.


- Jady Caffaro

sábado, 6 de fevereiro de 2010

de todos os cheiros, acabou por ser o seu


Não conseguia dormir. Virou-se de lado retorcida, com as mãos entre as pernas, esperava. Usando um velho casaco de moletom e nada mais abre os olhos. No teto branco ousa pintar vastas realidades, escrever sonetos de profundo sacrilégio e beijos lascivos. Percebe que o casaco ainda tem o cheiro dele. Normalmente era o que lhe confortava durante a noite, mas muito havia mudado desde então. Ela havia mudado.
  Gasto e surrado, tem cara de que lavaram demais, de que usaram demais, como se o tempo não lhe fosse dócil. Descalça sente o frescor do chão contra seus pés andarilhos. Os pressiona para se convencer de que o chão é fixo, de que não corre o risco de cair de novo. É a certeza do presente, do real. Lentamente levanta-se como quem dormiu a vida inteira. Anda nas pontas dos pés, sobre eternos cacos de vidro. Seus frágeis dedos cessam a busca frenética por interruptores, apenas se arrastam por paredes sem destino, sem prever o enredo. Não há mais o desejo por lâmpadas, não teme o comodismo no escuro.E vai assim, adivinhando caminhos pedregosos até a porta da sacada.
  Serena, toca a porta de ferro que boceja ao ranger, como se tomasse vida junto ao resto da casa. Boçejo que esboça um sorriso numa máscara repleta de tragédias gregas; uma proeza. Solta seus cabelos, que perfeitamente desarrumados lhe dão uma inválida e irrelevante sensação de confiança.
  O vento, delicadamente, passa despercebido como brisa na madrugada acariciando seu rosto com intimidade sobredivina. Se delicia ao invadir, ao tocar suas pernas nuas. Já são velhos amigos ela e o vento. Por mais que deseje imensamente, não se ilude pois sabe que o vento é impalpável. Sabe que quando quer foge sem mais nem menos levando consigo cotovias e carinhos. Some para satisfazer outros rostos, para beijar outras pernas. Se conforma com sua previsível imprevisibilidade; idióticamente poética. 
  Acende um cigarro e lhe arranca profundos suspiros enquanto dá nome às estrelas altruístas, que morrem para o deleite dos que não as notam. Cada trago do próprio veneno trás consigo o doçe gozo de um prazer mórbido. Maldito veneno, é uma migalha do que lhe faz a brisa e ainda assim recorre a ele. 
  O cheiro dá espaço para o odor da nicotina. Percebe então a inveja que o cigarro tem daquele perfume inebriante e apaga-o. Por mais masoquista, por mais incômodo que viesse a ser o seu cheiro durante outras noites, ela nunca ousaria trocar por nada o cheiro da saudade.